O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida?
Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa.
É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrae e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados.

Milan Kundera

Somente no amor gostamos de ver alguém mais feliz do que nós mesmos...

domingo, 23 de outubro de 2011

... apenas assim!

Sou apenas uma mulher! Uma mulher que tem momentos infantis, deprimidos ou de felicidade... sou apenas uma pessoa que comete erros, mas que tenta corrigi-los pra viver, que pede ajuda pra Deus, que precisa ter força pra seguir somente, que briga com a família e com os amigos, mas não vive sozinha, que gosta de ajudar, mas que necessita de ajuda, que se estressa fácil, mas que não abandona e que tenta ser perfeita mesmo sabendo que nunca será...
Sempre me senti diferente dos outros. Não me vejo mais bonita, nem mais inteligente, nem mais especial, nem mais esperta, nem mais maluca e nem mais importante, apenas diferente.
Sou diferente na forma de sentir, tudo que me toca, me toca fundo. Tudo que me alegra, me alegra muito. Tudo que me dói, dói forte demais, corta. Nunca tive muitos freios em matéria de sentimento. Sempre que eu quis ir, fui. Muito me estrepei. Sempre que quis falar, falei. Muito me ralei. Aprendi um pouco a calar, a tentar respirar fundo e pensar.
Sou uma pessoa comum, mas com características incomuns... e só me vejo diferente por sentir intensamente tudo que tenho ou experimento na vida... só quero ser feliz e poder um dia olhar pra trás e não me arrepender de não ter vivido plenamente!

... sem hipocrisia ou modéstia!

Quem é que pode entender todas as convenções que somos obrigados à manter? Ninguém tem resposta pra esta pergunta. Somos "quem devemos ser" somente em relação ao que o controle do "contrato social" nos permite sermos. Vivo em uma sociedade panóptica, individualizada, onde os olhos do "todo social", me segue por toda parte, pois esta nos outros e em mim.
Guardo, e até com certa agonia nada solidária, tudo o que penso do mundo, das relações e pessoas, pois sou obrigada a respeitar a hipocrisia social que condiciona meus passos, e que introjetei à minha personalidade, que se faz nesta desumana e asfixiante necessidade de conviver, de precisar ser considerada uma "pessoa normal" que aceita toda a diferença além de mim.
São tantos os sonhos que ficaram no caminho, empregos que não abandonamos, chefes que suportamos, relações com os quais nos acostumamos, tantas são as vontades de "chutar o balde" ao longo da estrada curva da vida que deixamos passar em nome do que é considerado "correto" pelo legitimo convívio social.
E até esta clareza de pensamento e sensações assusta porque não significa "liberdade" mas consciência por tudo o que nos acostumamos à tolerar em nome da paz de espírito que não pacifica o essencial, que somos nós!
Me sinto só e tenho tanta raiva quase todo o tempo, e tão raras forão as vezes que me senti livre, que certas certezas se tornarão receios e certos receios... medo! Medo e coragem são lados díspares, mas ao mesmo tempo paralelos e congruentes do necessário orgulho de pertencer que me faz feliz! ... ou seja, a liberdade é algo inatingível!


Simone Rachel

"Grande parte do nosso amor familiar é apenas protocolo social"

Famílias podem ser máquinas de moer gente. Uma das marcas de nossa fragilidade é depender monstruosamente de laços tão determinantes e ao mesmo tempo tão acidentais. O acaso de um orgasmo nos une.
Em meio a jantares e almoços intermináveis, o horror escorre invisível por entre os corpos à mesa.
Talvez muitos pais não amem seus filhos e vice-versa. Quem sabe, parte do trabalho da civilização seja esconder esses demônios da dúvida sob o manto de protocolos cotidianos de afeto.
Até o darwinismo, uma teoria ácida para muitos, estaria disposta a abençoar esses protocolos com a sacralidade da necessidade da seleção natural. Mesmo ateus, que costumeiramente se acham mais inteligentes e corajosos, tombam diante de tamanho gosto de enxofre.
Pergunto-me se grande parte do sofrimento psíquico e moral de muita gente não advém justamente da demanda desses protocolos de afeto. Da obrigação de amar aqueles que vivem com você quando a experiência desse mesmo convívio nos remete a desconfiança, indiferença, abusos, mentiras e mesmo ódio.
A horrorosa verdade seria que existem pessoas que não merecem amor? Pelo menos não de você. Mas você é obrigado a amar irmãos, filhos, pais, avós, e similares. E, se não os amar, você adoece.
Um sentimento vago de desencontro consigo pode ocorrer se um dia você se perguntar, afinal, por que deve amar alguém que por acaso calhou de ter o mesmo sangue que você? Alguém que é fruto de um ato sexual entre o mesmo homem e a mesma mulher que o geraram em outro ato sexual.
Quem sabe a força do "mesmo sangue" seja uma dessas coisas que a experiência moderna esmagou, assim como a crença, para muita gente já vazia, no sobrenatural, na providência divina ou no amor romântico.
Sim, o niilismo teria aí uma de suas últimas fronteiras?
É comum remeter esse vazio da perda dos vínculos de afeto ao mundo contemporâneo da mercadoria. Apesar de ser verdade que os laços humanos se desfazem sob o peso do mundo do capital, parece-me uma ingenuidade supor que o mal da irrealidade dos afetos seja "culpa" do capital.
É fato que a modernidade destrói tudo em nome da liberdade do dinheiro, mas é fato também que não criou a espécie em sua miséria essencial. A melancolia tem sido a verdade do mundo muito antes da invenção do dólar.
Por que devo amar alguém apenas porque essa pessoa me carregou em sua barriga por nove meses? Ou porque penetrou, num momento de prazer sexual, a mulher que iria me carregar em sua barriga por nove meses?
Por alguma razão, questões como essas parecem mais sagradas do que Deus, o bem e o mal, ou a vida após a morte. Como se elas devessem ser objetos de maior fé do que as religiosas. Ou porque elas garantem a convivência miúda e tão necessária para a estabilização da sociedade. Só monstros colocariam em dúvida tal sacralidade.
Mas quantas horas nós passamos vasculhando nossas almas em busca de afetos que, muitas vezes, podem ser o contrário do que deveríamos sentir? Ou não achamos nada além da indiferença? 
Às vezes, a pergunta pelo amor pode ser apenas um protocolo contra o desespero.
Estamos preparados para pôr em dúvida a normalidade sexual no caso de mulheres que gostam de fazer sexo com cachorros, mas não estamos preparados para suspeitar que grande parte de nosso amor familiar não passe de protocolo social.
Rapidamente, suspeitaríamos que estamos diante de pessoas doentes e sem vínculos afetivos.
Por que, afinal, mulheres homossexuais correm em busca de "misturar" óvulos de uma com a barriga da outra, como se, assim, mimetizassem o coito reprodutivo heterossexual? Será que é amor por uma criança que ainda nem existe ou apenas um desejo secreto de ser "normal"?
Ter filhos é prova desse amor ou apenas um impulso cego que se despedaça a medida que os anos passam?
Um dos nossos maiores inimigos somos nós mesmos, mais jovens, quando tomamos decisões que somos obrigados a manter no futuro. Com o tempo, algo que nos parecia óbvio se dissolve na violência banal de um dia após o outro. Como que diante de um espelho de bruxa.
Luíz Felipe Pondè


Pra nunca esquecer!

A melhor do Arnaldo Antunes ...

... um milhão de reticências e fim!

E mesmo sem te ver
Acho até que estou indo bem
Só apareço, por assim dizer,
Quando convém
Aparecer ou quando quero.

Desenho toda a calçada
Acaba o giz, tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol que a chuva apagou

Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, p'rá ser honesto,
Só um pouquinho infeliz.

Giz - Legião Urbana

"A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" ... e pra pensar mais "A Bolsa e a Vida"

A emancipação do tradicionalismo econômico parece sem dúvida ser um fator que apóia grandemente o surgimento da dúvida quanto à santidade das tradições religiosas e de todas as autoridades tradicionais. Devemos porém notar, fato muitas vezes esquecido, que a Reforma não implicou na eliminação do controle da Igreja sobre a vida quotidiana, mas na substituição por uma nova forma de controle. Significou de fato o repúdio de um controle que era muito frouxo e, na época praticamente imperceptível, pouco mais que formal, em favor de uma regulamentação da conduta como um todo, que penetrando em todos os setores da vida pública e privada, era infinitamente mais opressiva e severamente imposta.
A regra da Igreja Católica ,”punindo o herege, mas perdoando o pecador”, mais no passado do que no presente, é hoje tolerada pelas pessoas de caráter econômico completamente moderno, e nasceu entre as camadas mais ricas e economicamente mais avançadas do mundo por volta do século XV. Por outro lado, a regra do Calvinismo como foi imposta no século XVI em Genebra e na Escócia, entre o século XVI e XVII em grande parte da Holanda e no século XVII na Nova Inglaterra e, por algum tempo na própria Inglaterra, se tornaria a forma mais intolerável de controle eclesiástico do indivíduo que já pôde existir. E foi exatamente isso que foi sentido por uma grande parte da velha aristocracia comercial da época de Genebra, da Holanda e da Inglaterra. E a queixa dos reformadores, nesta regiões de grande desenvolvimento econômico, não era o excesso de controle da vida por parte da Igreja, mas a sua falta.


Nota: trecho bem significativo, não é mesmo? É impressionante como a ordem dominante, qualquer que seja ela, se articula em benefício próprio. Me fez lembrar a invenção de Céu, Inferno e claro, a possibilidade de um Purgatório, analisada por Le Goff em A Bolsa e a Vida, como uma possibilidade de salvação para o usurário, legitimando seu espaço na nova sociedade que se formava. Esse processo de gestação, segundo ele, deu-se através do encontro da cultura erudita com a cultura popular, criando condições de aceitação da nova organização econômica do ocidente: o capitalismo.

O usurário, passível de perdão, por ser de grande utilidade o seu "dinheiro de pecador" para Igreja e para a sociedade necessitada deste Capital! Maldita hipocrisia repetida tão solenemente pelo comodismo dos tempos modernos! Cultos, relações sociais e políticas das mais remotas temporalidades que justificam tudo em nome do dinheiro, da posição social, do condicionamento humano, da acomodação do homem e do sua alienação política, que quase sempre é tão útil, em favor dos poderosos de plantão. Marionetes necessitadas do perdão dos céus, um perdão criado pelo homem, em detrimento da idéia de um Deus humano e ao mesmo tempo justo. Cada vez mais, pessoas que não criam laços de cumplicidade, ou de amizade, mas que se usam, uns aos outros em nome de qualquer benefício próprio, do "vale quanto pesa". Deprimente!

Silêncio - Florbela Espanca

No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Crônicas de Mortes Anunciadas - Exterminio dos ratos do MST


Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade, tão bem conservada nesses anos todos, seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da escória humana. São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria, terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer o roubo, a violência, o estupro, a morte. Esses ratos precisam ser exterminados. Vai doer, mas para grandes doenças, fortes são os remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa bravura. Se queres a paz, prepara a guerra. Só assim daremos exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo. Nossa cidade é terra de oportunidades para quem quer produzir e não oportunidades para bêbados, ralé, vagabundos e mendigos de aluguel.
Se tu, gabrielense amigo, fores procurado por um faminto rato do MST, dê-lhe um prato de comida, com três colheres cheias de qualquer veneno para rato. Se tu, gabrielense amigo, possui um avião agrícola, pulveriza à noite 100 litros de gasolina em vôo rasante sobre o acampamento de lona dos ratos. Sempre terá uma vela acesa para terminar o serviço e liquidar com todos eles. Se tu, gabrielense amigo, és proprietário de terras ao lado do acampamento, usa qualquer remédio de banhar gado na água que eles utilizam para beber. Rato envenenado bebe mais água ainda. Se tu, gabrielense amigo, possui uma arma de caça calibre 22, atira de dentro do carro contra o acampamento, o mais longe possível. A bala atinge o alvo mesmo há 1200 metros de distância.

Carta planfetária dos fazendeiros fascistas de São Gabriel