O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida?
Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa.
É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrae e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados.

Milan Kundera

Somente no amor gostamos de ver alguém mais feliz do que nós mesmos...

domingo, 23 de outubro de 2011

"A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" ... e pra pensar mais "A Bolsa e a Vida"

A emancipação do tradicionalismo econômico parece sem dúvida ser um fator que apóia grandemente o surgimento da dúvida quanto à santidade das tradições religiosas e de todas as autoridades tradicionais. Devemos porém notar, fato muitas vezes esquecido, que a Reforma não implicou na eliminação do controle da Igreja sobre a vida quotidiana, mas na substituição por uma nova forma de controle. Significou de fato o repúdio de um controle que era muito frouxo e, na época praticamente imperceptível, pouco mais que formal, em favor de uma regulamentação da conduta como um todo, que penetrando em todos os setores da vida pública e privada, era infinitamente mais opressiva e severamente imposta.
A regra da Igreja Católica ,”punindo o herege, mas perdoando o pecador”, mais no passado do que no presente, é hoje tolerada pelas pessoas de caráter econômico completamente moderno, e nasceu entre as camadas mais ricas e economicamente mais avançadas do mundo por volta do século XV. Por outro lado, a regra do Calvinismo como foi imposta no século XVI em Genebra e na Escócia, entre o século XVI e XVII em grande parte da Holanda e no século XVII na Nova Inglaterra e, por algum tempo na própria Inglaterra, se tornaria a forma mais intolerável de controle eclesiástico do indivíduo que já pôde existir. E foi exatamente isso que foi sentido por uma grande parte da velha aristocracia comercial da época de Genebra, da Holanda e da Inglaterra. E a queixa dos reformadores, nesta regiões de grande desenvolvimento econômico, não era o excesso de controle da vida por parte da Igreja, mas a sua falta.


Nota: trecho bem significativo, não é mesmo? É impressionante como a ordem dominante, qualquer que seja ela, se articula em benefício próprio. Me fez lembrar a invenção de Céu, Inferno e claro, a possibilidade de um Purgatório, analisada por Le Goff em A Bolsa e a Vida, como uma possibilidade de salvação para o usurário, legitimando seu espaço na nova sociedade que se formava. Esse processo de gestação, segundo ele, deu-se através do encontro da cultura erudita com a cultura popular, criando condições de aceitação da nova organização econômica do ocidente: o capitalismo.

O usurário, passível de perdão, por ser de grande utilidade o seu "dinheiro de pecador" para Igreja e para a sociedade necessitada deste Capital! Maldita hipocrisia repetida tão solenemente pelo comodismo dos tempos modernos! Cultos, relações sociais e políticas das mais remotas temporalidades que justificam tudo em nome do dinheiro, da posição social, do condicionamento humano, da acomodação do homem e do sua alienação política, que quase sempre é tão útil, em favor dos poderosos de plantão. Marionetes necessitadas do perdão dos céus, um perdão criado pelo homem, em detrimento da idéia de um Deus humano e ao mesmo tempo justo. Cada vez mais, pessoas que não criam laços de cumplicidade, ou de amizade, mas que se usam, uns aos outros em nome de qualquer benefício próprio, do "vale quanto pesa". Deprimente!

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