O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida?
Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa.
É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrae e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados.

Milan Kundera

Somente no amor gostamos de ver alguém mais feliz do que nós mesmos...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ana Cristina César


Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.

... uma música que renova!

... mas duas medalhas sim!

Fim (Quando eu morrer)

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas

Que meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mario de Sá Carneiro  

Vinícius de Moraes


A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.



Mitologia




Ninguém gosta de receber más notícias, ser contrariado ou ter suas expectativas desfeitas, nem mesmo os deuses. Apolo, o deus dos oráculos, devia saber o quanto a verdade podia doer. Ele amava Corones, uma jovem princesa de Tessália, mas ela gostava de outro, um simples mortal com quem se encontrava às escondidas. Desconfiado, Apolo mandou o corvo, um de seus auxiliares alados, vigiar de perto a faceira princesinha. Pobre corvo. Quando veio relatar os encontros furtivos de Corones, Apolo ficou furioso e resolveu castigá-lo, mudando a cor de suas asas brancas como a neve, para a cor preta que os corvos tem até hoje.

Muitos reis e tiranos do passado agiram como Apolo, punindo o mensageiro por causa do teor da mensagem. Durante a campanha do comandante romano Lúculo contra alguns reinos da Ásia, quando sua legião entrou na Armênia os postos avançados mandaram avisar ao rei local que as forças romanas se aproximavam. O rei Tigranes ficou tão enfurecido que mandou decapitar o mensageiro, por isso ninguém ousou contar-lhe coisa alguma. Enquanto os romanos apertavam o cerco, Tigranes continuava inerte sem ter a menor idéia do que estava acontecendo, ouvindo apenas a voz de seus bajuladores que lhe diziam que Lúculo já devia estar voltando para Roma. Porém um amigo favorito do rei tomou coragem para anunciar-lhe que a derrota era iminente, como de fato aconteceu. 

Outro foi Côtis, rei da Trácia, dissoluto e beberrão que decidiu que haveria de passar uma noite de amor com a deusa Atena, uma das deusas virgens do Olimpo. Para uma ocasião tão importante, preparou um banquete numa mesa luxuosíssima numa alcova ricamente decorada, dispondo uma cama com lençóis e travesseiros dignos da ilustre convidada. Depois de tudo preparado, Côtis se pôs a beber vinho aguardando a chegada de Atena. Como o tempo passasse e a deusa não aparecia, mandou um guarda verificar se ela não tinha se perdido nos corredores do palácio. Quando o guarda retornou dizendo que não havia ninguém, o rei o matou. Mais tempo se passou e Côtis mandou um segundo guarda. O guarda também disse que não havia ninguém, e morreu também. Quando Côtis mandou o terceiro guarda, apavorado com o que acontecera com seus colegas, ele voltou dizendo que a deusa estava chegando ao palácio, pois sofrera um pequeno atraso e depois fugiu.


Poesia




Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem
Poderosa, temível, pois não és assim.
Pobre morte: não poderás matar-me à mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,
Descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso cedo, os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder
De fazer dormir. E te inflas envaidecida?
Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás.

Jonh Donne


Do filme: Uma Carta de Amor

Minha querida Catherine

Sinto a tua falta, meu amor, como sempre, mas hoje é particularmente difícil porque o oceano tem estado a cantar para mim, e a canção é a da nossa vida juntos. Quase consigo sentir-te a meu lado enquanto escrevo esta carta, e consigo cheirar o aroma de flores silvestres que me faz sempre lembrar de ti. 
Mas neste momento, essas coisas não me dão qualquer prazer.
As tuas visitas têm sido menos freqüentes, e por vezes sinto como se a maior parte do que sou estivesse lentamente a dissipar-se. Estou a tentar, ainda assim. À noite quando estou sozinho, chamo por ti, e sempre que a minha dor parece se maior, encontras constantemente maneira de voltar pra mim. Ontem à noite, nos meu sonhos, vi-te no portão perto de Wrightsville Beach.
O vento soprava através do teu cabelo e os teus olhos retinha, a luz pálida do sol que se desvanecia. Fico espantado quando te vejo encostada ao parapeito. Tu és bela, penso, enquanto te vejo, uma visão que nunca consigo encontrar em mais ninguém. Começo a andar lentamente na tua direção e quando, finalmente, te voltas para mim, reparo que outros têm estado a observar-te também e perguntam-me em sussurros invejosos, "conhece ela?" e enquanto sorris para mim, respondo simplesmente com a verdade: "melhor do que meu próprio coração"
Paro quando chego perto de ti e envolvo-te nos meu braços. Anseio por esse momento mais do que qualquer outro. É a razão da minha vida, e quando tu retribuis o meu abraço, eu entrego-me a esse momento, em paz mais uma vez.
Levanto a mão e toco suavemente na tua face e tu inclinas a cabeça e fecha os olhos. As minhas mãos são ásperas e a tua pele é macia, e interrogo-me durante um momento se vais afastar-te, mas claro que não o fazes. Nunca o fizeste, e é em alturas como esta, que eu sei, qual é o meu objetivo na vida. Estou aqui para amar, para te segurar nos meu braços, para te proteger.
Estou aqui para aprender contigo e para receber o teu amor em troca. Estou aqui porque não existe outro sítio onde possa estar, mas depois, como sempre, a neblina começa a formar-se enquanto permanecemos juntos um do outro. É um nevoeiro distante que nasce do horizonte, e descubro que começo a ficar com medo à medida que ele se aproxima. Ele insinua-se lentamente, envolvendo o mundo à nossa volta, cercando-nos como que para evitar que fujamos. Como uma nuvem rolante, cobre tudo, fechando, ate mais nada restar senão nós os dois. Sinto a minha garganta a começar a fechar e os meus olhos a encherem-se de lágrimas porque sei que são horas de partires. O olhar que lanças naquele momento persegue-me. Sinto a tua tristeza e a minha própria solidão, e a dor no meu coração, que permanecera silenciosa só por um pequeno intervalo de tempo, torna-se mais forte quando tu me soltas. E então estendes os braços e dás uns passos p/ trás, desaparecendo no nevoeiro porque ele é o teu lugar e não o meu. Anseio por ir contigo, mas a tua única resposta é abanares a cabeça porque ambos sabemos que é impossível. E eu assisto com o coração a partir-se enquanto desapareces lentamente.
Dou comigo a esforçar-me por lembrar tudo acerca daquele momento, tudo acerca de ti. Mas depressa, sempre demasiado depressa, a tua imagem desaparece e o nevoeiro recua para o seu lugar longínquo e eu fico sozinho no pontão e não me importo com que os outros pensam quando baixo a cabeça e choro, choro e choro.

Garrett... 
22 de julho de 1997


A emergência dos dias nos fazem criar uma redoma em volta do nosso sentir. Sou sempre tão intensa em tudo que vivo, sempre fui e vou continuar sendo assim, porque é tão fácil passar pela vida sem paixão, sem culpa, sem dor, com uma alegria comprada e falsa, e como já escrevi aqui antes é na tristeza que nos humanizamos, e com isso nos tornamos melhores, pois explode dentro de nós uma noção exata de quando ter orgulho foi desnecessário e de quando ter orgulho foi proteção. Ninguém admite, porque admitir a própria vulnerabilidade é admitir humanidade, e não queremos ser humanos mas deuses. Deuses mortais, perversos, vazios e inúteis mas deuses! 
É por isso que gosto tanto de ler Nietzsche, ele nos diz que não somos fortes mas sim orgulhosos, e donos de um orgulho corrompido e degenerado que nos afasta das alegrias simples do existir.

Na tristeza mesmo que no nosso silêncio relembramos os momentos procurando saber onde mais erramos, repetimos na cabeça as palavras, ditas e não ditas, procurando os erros do caminho, e a vida fica amarrada, mas só quando a gente sofre, perde, e pra mim isso é sinônimo de liberdade ... ser humana, estar humana, apesar do meu orgulho também ser venenoso, me sentir humana, sucumbir e não ser só mais uma pessoa que suporta tudo ou que não sente nada igual a todo mundo.

Gosto de sentir as coisas, qualquer coisa, pessoa, fato, ação da vida, do que uns chamam Deus e outros Ciência, não importa, me comovo com as coisas que todo mundo acha serem banais, cotidianas ou comuns como o sol se pondo, o desenho das nuvens no céu ... quando estou em paz e quieta olho pro céu fico procurando formas nas nuvens, procurando desenhos ... adoro o cair da tarde, o inicio da noite e o amanhecer ... amo tanto a vida que sinto um profundo medo de nunca até hoje ter conseguido compreender a razão dela e toda a emergência que vejo nos olhos das pessoas ... a emergência de vencer, de subir, de nunca se satisfazer com nada!