O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida?
Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa.
É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrae e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados.

Milan Kundera

Somente no amor gostamos de ver alguém mais feliz do que nós mesmos...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012


Ela é que acompanha os reis venerandos. A quem honram as virgens do grande Zeus e dentre reis sustentados por Zeus vêem nascer, elas lhe vertem sobre língua o doce orvalho e palavras de mel fluem de sua boca. Todas as gentes o olham decidir as sentenças com reta justiça e ele firme falando na Ágora, logo à grande discórdia cônscio põe fim, pois reis têm prudência quando as gentes violadas na Ágora perfazem as reparações facilmente, a persuadir com brandas palavras. Indo à assembléia, como a um Deus o propiciam pelo doce honor e nas reuniões se distingue. Tal das Musas o sagrado dom dos homens.
Pelas Musas e pelo golpeante Apolo há cantores e citaristas sobre a terra, e por Zeus, reis. Feliz é quem as Musas amam, doce de sua boca flui a voz. Se com angústia no ânimo recém-ferido alguém aflito mirra o coração, e se o cantor servo das Musas espera a glória dos antigos e os venturosos Deuses que têm no Olimpo, logo esquece os pesares e de nenhuma aflição se lembra, já os desviaram os sons dos Deuses.
http://www.facebook.com/simonekelzzi

Que culpa tenho eu?

Trecho Fogo Morto

“Já devia ser bem tarde e havia deixado a filha doente com a mulher acabrunhada. Era a sua mulher Sinhá a única culpada. Que podia ele fazer com uma filha que nada tinha dele, que era um outro ser, sem coragem para vencer todos os medos? Ele não tinha medo de ninguém. Marchava devagar. As suas alpercatas batiam alto no calcanhar. Estava só naquele mundo, sem uma pessoa, sem um ente vivo. Viu a luz da casa das velhas do seu Lucindo como um farol vermelho na luz branca da lua. Aproximou-se mais e ouviu choro de gente. O que seria aquilo? Pensou em entrar no atalho que dava para a casa. E estava pensando em procurar saber o que podia ser aquele choro, quando um canto de reza subiu ao ar. Era quarto de defunto. Entrou no atalho e se foi chegando para a casa que se escondia atrás de um juazeiro enorme. Só podia haver muita gente dentro da casa para dar aquele volume enorme de canto de morte. E quando ele se chegou na janela e botou a cabeça para olhar o povo rezando, um grito estourou como uma bomba. – É ele, é o lobisomem.” 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os Demônios - Dostoiévski


ESTE ROMANCE ANTECIPA A MENTALIDADE 
DOS DOIS PIORES DITADORES DA HISTÓRIA DO SECÚLO XX.

Mais do que uma simples e esperada propaganda anti-anarquista, Os Demônios, Fiódor Dostoiévski, é uma obra prima da literatura universal. Algumas das obras de Dostoievski foram baseadas em acontecimentos reais, e Os Demônios é uma delas. No século XIX surgiram na Rússia centenas de grupos revolucionários esquerdistas (Nilistas, Socialistas e Anarquistas) e em meio a centenas de organizações, um grupo bastante restrito de cinco integrantes, seria responsável por uma ação que mudaria a forma como os chamados esquerdistas passaram a ser vistos: Em 1869 o estudante S.G. Nietcháiev conheceu o famoso anarquista russo Mikhail Bakunin. Bakunin se tornou um profundo admirador de Nietcháiev – alguns dizem que os dois chegaram a ter um relacionamento amoroso - e encarregou este de fundar uma organização revolucionaria. Nietcháiev, juntamente com outros quatro estudantes, formam uma organização batizada de “Justiça Sumaria do Povo” (Naródnaia Rasprava), sendo Nietcháiev o líder. Entre os integrantes do grupo estava o estudante I.I. Ivanov, que por se desentender com os membros da organização, exigiu o seu desligamento do grupo. No dia 21 de novembro de 1869 Nietcháiev e os outros integrantes do “Justiça Sumaria do Povo”, atraem Ivanov para um local deserto e o matam a sangue frio. O motivo do assassinato foi puramente político, pois Nietcháiev temia que Ivanov denunciasse as ações da organização. Pouco tempo depois toda a história do assassinato e descoberta pela policia e os culpados pelo crime são presos, com exceção do líder Nietcháiev que consegue fugir. Nietcháiev acompanha de longe o julgamento dos quatro acusados pelo crime, sendo este o primeiro processo político amplamente divulgado pela imprensa russa. Dostoievski, que fazia parte de um grupo revolucionário socialista chamado “Circulo Pietrachévski”, se interessou pelo caso Nietcháiev e com o rumo que os movimentos de esquerda estavam tomando; o terrorismo estava sendo usado por esses grupos como arma no combate ao regime autoritário do Czar. Antes mesmo do caso Nietcháiev, os grupos de esquerda na Rússia, já ficaram conhecidos por seus atos violentos: Em 4 de abril de 1866 o estudante D.V. Karakózov, também membro de um grupo de esquerda, assassina a tiros o czar Alexandre II. Anos após o caso Nietcháiev, em 1 de março de 1887 um jovem de vinte anos, chamado Alexander Ulyanov – irmão de Vladimir Ilitch Ulianov que mais tarde seria mundialmente conhecido como Lenin – participa da tentativa de assassinato do czar Alexandre III. O atentado não teve êxito sendo os culpados presos e condenados a morte; em 8 de maio de 1887, eles são retirados de suas celas e enforcados.


Poema da gare de Astapovo


O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

Análise

Tão abstrata é a idéia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver, tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem, vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior, crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que sinto sendo.

Fernando Pessoa, 1911

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A sociedade de consumo...

Cem Anos de Solidão


A mulher soltou uma gargalhada estridente que repercutiu por toda a casa como um riacho de vidro. “Pelo contrário”, disse. “Será feliz.” Para confirmar o seu prognóstico, trouxe o baralho à casa poucos dias depois, e se trancou com José Arcadio num depósito de grãos contíguo à cozinha. Colocou as cartas com muita calma sobre uma velha mesa de carpintaria, dizendo qualquer coisa, enquanto o rapaz esperava perto dela, mais chateado que curioso. De repente estendeu a mão e tocou. “Que monstro” disse, sinceramente assustada, e foi tudo o que pôde dizer. José Arcadio sentiu que os seus ossos se enchiam de espuma, que tinha um medo lânguido e uma enorme vontade de chorar. A mulher não lhe fez nenhuma insinuação. Mas José Arcadio a continuou procurando toda a noite, no cheiro de fumaça que ela tinha nas axilas e que lhe ficou metido debaixo da pele. Queria estar com ela a todo momento, queria que ela fosse a sua mãe, que nunca saíssem da despensa e que ela lhe dissesse “que monstro!” e que tornasse a tocá-lo e a dizer-lhe “que monstro!”.
Um dia não pôde suportar mais e foi procurá-la em sua casa. Fez uma visita formal, incompreensível, sentado na sala sem pronunciar uma palavra. Naquele momento não a desejou. Achava-a diferente, inteiramente alheia à imagem que inspirava o seu perfume, como se fosse outra. Tomou o café e abandonou a casa, deprimido. Nessa noite, no espanto da insônia, tornou a desejá-la com uma ansiedade brutal, mas então não a queria como era na despensa, mas como havia sido naquela tarde.
Dias depois, de um modo intempestivo, a mulher o chamou à sua casa, onde estava sozinha com a mãe, e o fez entrar no quarto com o pretexto de ensinar-lhe um truque de baralho. Então o tocou com tanta liberdade que ele sofreu uma desilusão depois do estremecimento inicial, e experimentou mais medo que prazer. Ela lhe pediu que nessa noite fosse procurá-la. Ele concordou, para sair da situação, sabendo que não seria capaz de ir. Mas de noite, na cama ardente, compreendeu que tinha de ir procurá-la, ainda que não fosse capaz. Vestiu-se às tontas, ouvindo na escuridão a repousada respiração do irmão, a tosse seca do pai no quarto vizinho, a asma das galinhas no quintal, o zumbido dos mosquitos, o bumbo do seu coração e o desmesurado bulício do mundo em que não tinha reparado até então, e saiu para a rua adormecida.
Desejava de todo coração que a porta estivesse trancada, e não simplesmente encostada, como ela lhe havia prometido. Mas  estava aberta. Empurrou-a com a ponta dos dedos e as dobradiças soltaram um gemido lúgubre e articulado que uma ressonância gelada nas suas entranhas. Desde o momento em que entrou, meio de lado e tratando de não fazer barulho, sentiu o cheiro. Ainda estava na saleta onde os três irmãos da mulher penduravam as redes em posições que ele ignorava e que não podia determinar nas trevas, de modo que lhe faltava atravessá-la às cegas, empurrar a porta do quarto e orientar-se ali de maneira a que não fosse se enganar de cama. Conseguiu. Tropeçou com os punhos das redes, que estavam mais baixas do que ele supusera, e um homem que roncava até então mexeu-se no sonho e disse com uma espécie de desilusão: “Era quarta-feira.” Quando empurrou a porta do quarto, não pôde impedir que ela roçasse o desnível do chão. De repente, na escuridão absoluta, entendeu com uma irremediável nostalgia que estava completamente desorientado. Na estreita peça dormiam a mãe, outra filha com o marido e duas crianças, e a mulher, que talvez não o esperasse. Teria podido se guiar pelo cheiro se o cheiro não andasse em toda a casa, tão enganoso e ao mesmo tempo tão definido como tinha estado sempre na sua pele. Permaneceu imóvel um longo momento, perguntando-se assombrado como tinha feito para chegar a esse abismo de desamparo, quando uma mão com todos os dedos estendidos, que tateava nas trevas, tropeçou-lhe na cara. Não se surpreendeu porque, sem saber, tinha estado esperando por isso. Confiou-se então àquela mão, e num terrível estado de esgotamento deixou-se levar até um lugar sem formas onde lhe tiraram a roupa e o trabalharam como a um saco de batatas e o viraram para o avesso e para o direito, numa escuridão insondável em que lhe sobravam os braços, e onde já não cheirava mais a mulher, mas a amoníaco, e onde tentava se lembrar do rosto dela e topava com o rosto de Úrsula, confusamente consciente de que estava fazendo algo que há muito desejava que se pudesse fazer, mas que nunca havia imaginado que realmente se pudesse fazer, sem saber como estava fazendo porque não sabia onde estavam os pés e onde a cabeça, nem os pés de quem nem a cabeça de quem, e sentindo que não podia aguentar mais o ruído glacial dos seus rins e o ar do seu intestino, e o medo, e a ânsia aturdida de fugir e ao mesmo tempo de ficar para sempre naquele silêncio exasperado e naquela solidão terrível.
Chamava-se Pilar Ternera. Fizera parte do êxodo que culminou com a fundação de Macondo, arrastada pela sua família, para separá-la do homem que a tinha violado aos quatorze anos e que a continuara amando até os vinte e dois, mas que nunca se decidira a tornar pública a situação, porque tinha outro compromisso. Prometera segui-la até o fim do mundo, porém mais tarde, quando tivesse arrumado as coisas; e ela se cansou de esperar, identificando-o sempre com os homens altos e baixos, louros e morenos, que as cartas lhe prometiam pelos caminhos da terra e pelos caminhos do mar, para dentro de três dias, três meses ou três anos. Tinha perdido na espera a força das coxas, a dureza dos seios, o hábito da ternura; mas conservava intacta a loucura do coração. Transtornado por aquele brinquedo prodigioso, José Arcadio seguia as suas pegadas todas as noites através do labirinto do quarto. Certa ocasião, encontrou a porta trancada, e tocou várias vezes, sabendo que, se tinha tido a ousadia de tocar a primeira vez, tinha que tocar até a última, e ao fim de uma espera interminável ela lhe abriu a porta.
Durante o dia, caindo de sono, gozava em segredo as lembranças da noite anterior. Mas quando  ela entrava em casa, alegre, indiferente, desbocada, não tinha que fazer nenhum esforço para dissimular a sua tensão, porque aquela mulher, cujo riso explosivo espantava os pombos, não tinha nada que ver com o poder invisível que o ensinara a respirar para dentro e a controlar as batidas do coração, e lhe havia permitido entender por que os homens têm medo da morte.

Leia "Cem Anos de Solidão" de Gabriel Garcia Marquez, na íntegra neste link:
http://www.poderosodeus.com/livros/gallery/Gabriel%20Garcia%20Marquez/100%20anos%20de%20solid%C3%A3o%20-%20Gabriel%20Garcia%20Marquez.pdf


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Boris Fausto

http://www.youtube.com/p/47CB19C44E9C146B?version=3&hl=pt_BR

Nada a perder além de tudo que ganhei...

De todas as coisas que eu ainda lembro
O verão nunca pareceu o mesmo
Os anos passam e o tempo parece voar

A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel

Por que retomar Shakespeare e Maquiavel numa época em que a política opera fundamentalmente a partir de uma macroabordagem, com destaque para os sistemas políticos e as ideologias, e quando as preocupações estão voltadas para o funcionamento das instituições, a conquista da cidadania e o controle das massas? Esses dois autores indicam rumos para a resposta: Maquiavel, na dedicatoria de O príncipe a Lorenzo de Medici, afirmando que o livro não quer outra coisa que o valorize "a não ser a variedade da matéria e a gravidade do assunto a tornarem-no agradável"; e Shakespeare, ao alertar em Hamlet, que "o tempo está fora dos eixos" ensinam que a política caracteriza-se pela gravidade e pela disjunção. Maquiavel e Shakespeare projetam o saber histórico e o artístico sobre o campo do pensamento político, desorganizando-o e marcando aí o momento da instauração da modernidade. Neste sentido, eles demonstram que o espaço da política contém desafios e tensões constantes para todos os homens em qualquer época, superando antigas concepções que imprimiam estabilidade ou coerência à política. Um olhar mais demorado e mais exigente deve "ver a ciência com a óptica do artista, mas a arte, com a da vida" (Nietzsche, 1992:15). Nos textos destes dois autores, que produzem sob inspirações específicas e em épocas diferentes, encontramos um ordenamento de mundo fundado na política (das 27 peças de Shakespeare, 22 tratam de temas políticos, a maioria de forma direta; mesmo as obras literárias de Maquiavel abordam indiretamente a política). Eles entendem que as diferentes formas de exercício do poder dão significados distintos à vida dos indivíduos, à história de uma cidade ou ao destino de um povo. Abrem espaços inusitados para se observar os homens e suas práticas a partir do plano político sem, no entanto, condicioná-las a uma única causa. A seguir, são apresentados alguns supostos que serão aprofundados na última parte deste texto, utilizando-se como referência básica, mas não exclusiva, A tempestade, pois outras peças de Shakespeare servirão como elementos para conclusões. 

Na íntegra em:
Estudos Avançados - A natureza da política em Shakespeare e Maquiavel

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Cenas do palco russo


Na entrevista que nos cedeu Arlete Cavaliere, ensaísta, tradutora e professora de teatro, arte e cultura russa da USP, e uma grande especialista na obra de Nikolai Gogol, tivemos a chance de nos aproximar um pouco desse que foi um dos mais estranhos e geniais autores que a Rússia já produziu. Esse grande “mentiroso”, que nos faz rir um riso “amargo”, “entre lágrimas”, da tamanha incoerência que nos define, mesmo depois de quase 160 anos de sua morte, continua a nos encantar e a nos assombrar, mas, afinal, como ele próprio nos lembra em “O Inspetor Geral”: “A culpa não é do espelho se a cara é torta”. De Gogol passamos para um dos maiores teóricos e encenadores do teatro russo, Konstantin Stanislavski, um homem alto e sorridente, com uma fé inabalável no ator e na vida, que mudou os rumos da dramaturgia russa e mundial, livrando o ator dos velhos cacoetes da atuação − com o imenso arsenal, prático e teórico, de Stanislavski, o ator passa a representar “partindo de si mesmo” e da sua imaginação e, ao mesmo tempo, num processo de criação conjunto. E, por fim, abusando um pouco da paciência e do cuidado da entrevistada, ainda pedimos uma palhinha do teatro russo contemporâneo, e, então, soubemos que estamos sob o efeito de uma espécie de “poética do feio”. Para também não abusar da paciência do leitor com uma longa introdução, o melhor mesmo é seguir adiante e conhecer por si só as palavras de Arlete Cavaliere.

Na íntegra em:

O racismo não cordial do brasileiro


Por Mario Sergio
Neste final de ano pude testemunhar e viver a vergonha dessa praga do racismo aqui em nossa multicultural São Paulo. E com pessoas próximas e queridas. Não dá para ficar calado e deixar apenas o inquérito policial que abrimos tomar conta dos desdobramentos desse episódio lamentável e sórdido.
Na sexta feira, 30, nossos primos, espanhóis, e seu pequeno filho de 6 anos foram a um restaurante, no bairro Paraíso (ironia?) para almoçar. O garoto quis esperar na mesa, sentado, enquanto os pais faziam os pratos no buffet, a alguns metros de distância. 
A mãe, entre uma colherada e outra, olhava para o pequeno que esperava na mesa. De repente, ao olhar de novo, o menino não mais estava lá. Tinha sumido. Preocupada, deixou tudo e passou a procurá-lo ao redor. Ao perguntar aos outros frequentadores, soube que o menino havia sido retirado do restaurante por um funcionário de lá. Desesperada, foi para a rua e encontrou-o encolhido e chorando num canto. Perguntado (em catalão, sua língua) disse que "o senhor pegou-me pelo braço e me jogou aqui fora".
O casal e a criança voltaram para o apartamento de minha sogra e contaram o ocorrido. Minha sogra que é freguesa do restaurante, revoltada, voltou com eles para lá. Depois de tergiversações, tentativas de uma funcinária em pôr panos quentes, enfim o tal sujeito (gerente??) identificou-se e com a arrogância típica de ignorantes, disse que teria sido ele mesmo a cometer o descalabro. Mas era um engano, mas plenamente justificável porque crianças pedintes da feira costumavam pedir coisas lá e incomodar. E que ele era bom e até os alimentava de vez em quando. Nem sequer pediu desculpas terminando por dizer que se eles quisessem se queixar que fossem à delegacia.
Minha sogra ligou-me e, de fato, fomos à delegacia do bairro e fizemos boletim de ocorrência. O atendimento da delegada de plantão foi digno e correto. Lavrou o BO e abriu inquérito. Terminou pedindo desculpas e que meus primos não levem uma impressão ruim do Brasil.
Em tempo: o filho de 6 anos é negro. Em um e-mail (ainda não respondido pelo restaurante Nonno Paolo) pergunto qual teria sido a atitude se o menino fosse um loirinho de olhos azuis. 

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-racismo-nao-cordial-do-brasileiro

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Entre o violoncelo e o cavaquinho: música e sujeito popular em Machado de Assis

O artigo discute a tensão entre a cultura erudita, a emergente cultura popular e a incipiente cultura de massas através da análise do estatuto da música na obra de Machado de Assis. Dedicando atenção especial a um conjunto de crônicas sobre o tema e aos contos "Um homem célebre" e "O machete", o artigo propõe que a obra de Machado foi a primeira reflexão literária sobre a música como cifra privilegiada da nacionalidade. Por Idelber Avelar com texto completo no link: 

http://seer.bce.unb.br/index.php/estudos/article/view/4010/3384

Música do filme Crash - No Limite

Nas profundezas

Você pensou que tinha todas as respostas
Que podia descansar seu coração
Mas algo aconteceu
Você não viu, agora
Você não pode se controlar

Agora você esta nadando perdido
Nas profundezas
Nas profundezas

A vida mantém seu coração em círculos
Até que você deixou ir
Até que você perceba seu orgulho e suba para o paraíso
E se liberte de você

Surpreendente...



O filme é surpreendente! Mostra o encontro de diferentes personagens nas ruas de Los Angeles: uma dona de casa e seu marido, um promotor público da alta sociedade, um lojista persa, um casal de detetives, ele afro-americano e ela latina que são amantes, um diretor de Tv e sua esposa afro-americanos, um mexicano, dois ladrões de carros, um policial novato e um casal de coreanos de meia idade. Todos vivendo em Los Angeles, cada um com sua própria história, e que nas próximas 36 horas irão se encontrar. Um filme que prende até o último instante e nos faz refletir a sociedade atual, ficamos perplexos diante da tela e nos perguntamos até que ponto nós nos conhecemos? Até que ponto pré-julgamos? Talvez Crash tenha a resposta. Falta tolerância? Saber viver com as diferenças ou aceitar as diferenças?

Ghetto - Trailer


Um filme emocionante! É uma produção que trata de uma forma diferenciada de um problema que já foi exposto à exaustão pelo cinema: a situação dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Aqui o cenário é um guetto na Lituânia, durante o ano de 1942, onde os judeus são obrigados a sobreviver. Um oficial nazista, antes ator e músico de jazz, se apaixona por uma cantora e atriz judia que vive neste guetto. Ali, ele ordena que ela e seus companheiros montem uma peça de teatro. No princípio, os prisioneiros judeus se mostram resistentes para encarar a tarefa, mas com o tempo percebem que pode ser uma boa oportunidade para tentar levar um pouco de normalidade a toda essa situação e ainda arrumar um jeito de divertir seu sofrido povo. Aos poucos, eles escapam da censura e conseguem montar um espetáculo capaz de expressar sua terrível realidade.

Arte russa: Vrubel Michail

Mas você nunca quer perder



A vida é uma cachoeira
Nós somos um no rio
E um novamente depois da queda
Nadando através do vazio,
Nós escutamos a palavra,
Nós nos perdemos
Mas escutamos tudo?

Porque somos aqueles que querem jogar,
Sempre queremos ir,
Mas você nunca quer ficar,
Nós somos aqueles que querem escolher,
Sempre queremos jogar,
Mas você nunca quer perder.

Roda Viva com José Saramago (1997)

Adorei esta crônica


Tenho um pouco de pudor de contar, mas só um pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo. É porque lá em casa a gente não podia falar nem diabo, que levava sabão, quanto mais... ah, no fim eu falo. Coisa do Teodoro, ele quem me contou, você sabe, marido depois de um certo tempo de casamento fala certas coisas com a mulher. O seu não fala? Pois é, e de novo tem um tempão que aconteceu. Lembra aquela história dos queijos? Igual. Demorou um par de anos pra me contar. O pessoal dele é assim, sem pressa. Tem uma história deles lá, que o pai dele, meu sogro, esperou 52 anos pra relatar. Diz ele que esperou os protagonistas morrerem. Tem condição? Mas o Teodoro — foi quando a gente mudou pra casa nova — teve de ir nas Goiabeiras tratar um marceneiro e passou, pra aproveitar, na casa da tia dele, a Carlina do Afonso, e encontrou lá o Gomide. Tou encompridando, acho que é só por medo do fim, mas agora já comecei, então. Então, diz o Teodoro, que o Gomide tirou do bolso do paletó uma trouxinha de palha de milho, cortadas elas todas iguaizinhas e amarradas com uma embirinha da mesma palha. Escolheu, escolheu, pegou uma bem lisa e bem branquinha, tirou o canivete do outro bolso, lambeu a palha pra lá, pra cá, e ficou um tempão lhe passando firme a lâmina, do meio pras pontas, de ponta a ponta, entremeando com lambidas. Depois, ainda segurando a palha entre os dedos, foi a hora de tirar e picar o fumo de rolo bem fininho. Ia picando e pondo na concha da mão. Acabou, guardou o rolo e ficou socavando o fumo na mão com a ponta do canivete. Depois pegou a palha, mais uma lambida e foi pondo nela o fumo, espalhando ele por igual na canaleta formada, pressionando bem pra ficar bem firme. Deu mais uma lambida na parte mais próxima do fumo e com os polegares e indicadores foi enrolando o cigarro devagarinho, uma enrolada e uma lambida, uma enrolada e uma lambida. Com o canivete dobrou uma das pontas para o fumo não escapar, tirou a binga do bolso, acendeu e pegou a pitar. Agora é que vem, ai, ai. Teodoro falou que o tempo todo da operação ele não despregava o olho daquilo. Disse que nem sabe o que tia Carlina arengava, só punha sentido no Gomide fazendo o pito. Diz ele que foi uma coisa tão esquisita — esquisita, não —, tão encantada que ele ficou de pau duro. É isso. Falou também que ficou doido pra sair dali, comprar palha, fumo de rolo e repetir tudo igualzinho ao Gomide. Eu entendo. Quando conheci o Teodoro, ele fumava e eu achava muito emocionante. Tenho muita saudade de quando não existia essa amolação de cigarro dar câncer, nem de mulher ser magra. A gente tinha mais tempo para o que precisa, não é mesmo? Será que faz mal mesmo? Colesterol, depois de tanto barulho, estão falando que já tem do bom. Qualquer dia vou pedir ao Teodoro pra dar uma fumadinha, só pra fazer tipo.

Adélia Prado

ESCOLA DA PONTE

http://4pilares.net/text-cont/pacheco-escoladaponte.htm

http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0043.asp
Frase final de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis, 1881: "Não tive filhos não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".