Tenho um pouco de pudor de
contar, mas só um pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo. É porque lá
em casa a gente não podia falar nem diabo, que levava sabão, quanto mais... ah,
no fim eu falo. Coisa do Teodoro, ele quem me contou, você sabe, marido depois
de um certo tempo de casamento fala certas coisas com a mulher. O seu não fala?
Pois é, e de novo tem um tempão que aconteceu. Lembra aquela história dos
queijos? Igual. Demorou um par de anos pra me contar. O pessoal dele é assim,
sem pressa. Tem uma história deles lá, que o pai dele, meu sogro, esperou 52
anos pra relatar. Diz ele que esperou os protagonistas morrerem. Tem condição?
Mas o Teodoro — foi quando a gente mudou pra casa nova — teve de ir nas
Goiabeiras tratar um marceneiro e passou, pra aproveitar, na casa da tia dele,
a Carlina do Afonso, e encontrou lá o Gomide. Tou encompridando, acho que é só
por medo do fim, mas agora já comecei, então. Então, diz o Teodoro, que o
Gomide tirou do bolso do paletó uma trouxinha de palha de milho, cortadas elas
todas iguaizinhas e amarradas com uma embirinha da mesma palha. Escolheu,
escolheu, pegou uma bem lisa e bem branquinha, tirou o canivete do outro bolso,
lambeu a palha pra lá, pra cá, e ficou um tempão lhe passando firme a lâmina,
do meio pras pontas, de ponta a ponta, entremeando com lambidas. Depois, ainda
segurando a palha entre os dedos, foi a hora de tirar e picar o fumo de rolo
bem fininho. Ia picando e pondo na concha da mão. Acabou, guardou o rolo e
ficou socavando o fumo na mão com a ponta do canivete. Depois pegou a palha,
mais uma lambida e foi pondo nela o fumo, espalhando ele por igual na canaleta
formada, pressionando bem pra ficar bem firme. Deu mais uma lambida na parte
mais próxima do fumo e com os polegares e indicadores foi enrolando o cigarro
devagarinho, uma enrolada e uma lambida, uma enrolada e uma lambida. Com o
canivete dobrou uma das pontas para o fumo não escapar, tirou a binga do bolso,
acendeu e pegou a pitar. Agora é que vem, ai, ai. Teodoro falou que o tempo
todo da operação ele não despregava o olho daquilo. Disse que nem sabe o que
tia Carlina arengava, só punha sentido no Gomide fazendo o pito. Diz ele que
foi uma coisa tão esquisita — esquisita, não —, tão encantada que ele ficou de
pau duro. É isso. Falou também que ficou doido pra sair dali, comprar palha,
fumo de rolo e repetir tudo igualzinho ao Gomide. Eu entendo. Quando conheci o
Teodoro, ele fumava e eu achava muito emocionante. Tenho muita saudade de
quando não existia essa amolação de cigarro dar câncer, nem de mulher ser
magra. A gente tinha mais tempo para o que precisa, não é mesmo? Será que faz
mal mesmo? Colesterol, depois de tanto barulho, estão falando que já tem do
bom. Qualquer dia vou pedir ao Teodoro pra dar uma fumadinha, só pra fazer tipo.
Adélia Prado